segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Quer café?


 


                Infame. Derrubando ondas de lamas. Uma por cima da outra. Se camuflando entre um tombo e outro. Amélia decidiu parar. Estava fadada a seu nome. Seu carma, se é assim que chamam. Pelo repudio a convivência decidiu se acabrunhar no seu casulo mágico de sonhos. Um mundo de unicórnios e pirilampos, onde mal quase algum há. Onde tudo tem alvará de pureza. Onde todas as cores podem, e as pessoas podem sorrir. Sem relações humanas significativas.

         - Ela decidiu ser dona de casa – diziam.

         Ela somente decidiu pelo nada abafado que ela sentia em tudo. Dos seus ex-empregos, da sua ex-escola, da sua ex-faculdade. Nada que foi começado conseguiu terminar. Todas as experiências jogadas no lixo junto com seus talentos e satisfações.

         Quando mais nova, era vista como a garota inteligente. A garota a cima da media que não gostava de convivência como sintoma da sua genialidade. Genialidade tal que causou tantas expectativas que ela mesma nem quis plantar, plantaram por ela. Sonhos alheios que ela teria que cumprir de um jeito ou de outro. Um boletim excelente na faculdade, formatura em glórias. Carreira brilhante, talvez até um intercâmbio, seria o prestigio da família, mesmo porque, foi depositada muita confiança e gasto muito dinheiro com essa garota Amélia. Mimada que só ela, é esperado retorno. Ao menos no caráter.  Amélia sabia pintar, desenhar, ler, escrever, tocar piano, cozinhar, conversar sobre algo interessante. Podia ser artista, designer, professora, doutora, podia ser o que quisesse. Mas decidiu pelo vazio porque não era nada em nenhuma dessas outras coisas, no vazio, era mediana e com louvor. Sozinha, era incrível, e sem críticas. Sozinha podia ser livre no vácuo. Se sentir um pouco mais leve. Podia até pensar com mais clareza, sem tanta gente em volta, podia colocar o que quisesse em suas receitas deliciosas. Podia pintar as paredes da cor que quisesse, podia fazer do teto sua tela suspensa, ganharia muitos aplausos dela mesma. E o dia terminaria depois que seus vários filhos dormissem, depois de um pouco de gozo, depois do ultimo cigarro do dia. Depois dos avanços dos amigos, de suas casas próprias, de seus carros novos, de suas roupas caras, depois de chás e cobranças. Polos, o mundo de unicórnios que ela vivia e o mundo de cavalos que todos seus amigos viviam, e se orgulhavam.

         Toda vez que saia se deslumbrava com as vitrines, com os gestos, com as risadas, com as mulheres de saias inconformadas, com os sabichões, com os intelectuais discutindo política na lanchonete, com as bandeiras vermelhas, com as bandeiras brancas. Com os livros. Com as pessoas que puxavam assunto com ela, com as garotas do shopping que criticavam sua roupa mal passada. E voltava pra casa, quando começava a ficar com nojo. E quando estava em casa o nojo crescia em seu estomago. E estava satisfeita, como um único orgasmo que não precisava mais de caricias pra se proliferar pelo corpo todo. 

         Amélia Madalena Osório. Não sabia quase nada da vida além de seu nome.

         Saias rodadas de tricô e renda no armário. Sapatos de cetim encardidos. Fitas e codinomes, espalhados por uma casa velha e empoeirada. Tudo como herança da avó de seu marido. O ar expelido pelo sentimento de ambos que materializava toda bagunça daquela casa de arquitetura duvidosa.

         Um dia aquilo tudo teria de mudar. E Amélia parecia esperar que toda mudança acontecesse enquanto lavava as roupas usando o amaciante mais caro pra que tudo tivesse cheirinho de flores.  Decidiu arranjar um emprego.

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