Infame. Derrubando ondas de lamas.
Uma por cima da outra. Se camuflando entre um tombo e outro. Amélia decidiu
parar. Estava fadada a seu nome. Seu carma, se é assim que chamam. Pelo repudio
a convivência decidiu se acabrunhar no seu casulo mágico de sonhos. Um mundo de
unicórnios e pirilampos, onde mal quase algum há. Onde tudo tem alvará de
pureza. Onde todas as cores podem, e as pessoas podem sorrir. Sem relações
humanas significativas.
- Ela decidiu ser dona de casa –
diziam.
Ela somente decidiu pelo nada abafado
que ela sentia em tudo. Dos seus ex-empregos, da sua ex-escola, da sua
ex-faculdade. Nada que foi começado conseguiu terminar. Todas as experiências
jogadas no lixo junto com seus talentos e satisfações.
Quando mais nova, era vista como a
garota inteligente. A garota a cima da media que não gostava de convivência
como sintoma da sua genialidade. Genialidade tal que causou tantas expectativas
que ela mesma nem quis plantar, plantaram por ela. Sonhos alheios que ela teria
que cumprir de um jeito ou de outro. Um boletim excelente na faculdade,
formatura em glórias. Carreira brilhante, talvez até um intercâmbio, seria o
prestigio da família, mesmo porque, foi depositada muita confiança e gasto
muito dinheiro com essa garota Amélia. Mimada que só ela, é esperado retorno.
Ao menos no caráter. Amélia sabia
pintar, desenhar, ler, escrever, tocar piano, cozinhar, conversar sobre algo
interessante. Podia ser artista, designer, professora, doutora, podia ser o que
quisesse. Mas decidiu pelo vazio porque não era nada em nenhuma dessas outras
coisas, no vazio, era mediana e com louvor. Sozinha, era incrível, e sem
críticas. Sozinha podia ser livre no vácuo. Se sentir um pouco mais leve. Podia
até pensar com mais clareza, sem tanta gente em volta, podia colocar o que
quisesse em suas receitas deliciosas. Podia pintar as paredes da cor que
quisesse, podia fazer do teto sua tela suspensa, ganharia muitos aplausos dela
mesma. E o dia terminaria depois que seus vários filhos dormissem, depois de um
pouco de gozo, depois do ultimo cigarro do dia. Depois dos avanços dos amigos,
de suas casas próprias, de seus carros novos, de suas roupas caras, depois de
chás e cobranças. Polos, o mundo de unicórnios que ela vivia e o mundo de
cavalos que todos seus amigos viviam, e se orgulhavam.
Toda vez que saia se deslumbrava com as
vitrines, com os gestos, com as risadas, com as mulheres de saias
inconformadas, com os sabichões, com os intelectuais discutindo política na
lanchonete, com as bandeiras vermelhas, com as bandeiras brancas. Com os
livros. Com as pessoas que puxavam assunto com ela, com as garotas do shopping
que criticavam sua roupa mal passada. E voltava pra casa, quando começava a ficar
com nojo. E quando estava em casa o nojo crescia em seu estomago. E estava
satisfeita, como um único orgasmo que não precisava mais de caricias pra se
proliferar pelo corpo todo.
Amélia Madalena Osório. Não sabia quase
nada da vida além de seu nome.
Saias rodadas de tricô e renda no
armário. Sapatos de cetim encardidos. Fitas e codinomes, espalhados por uma
casa velha e empoeirada. Tudo como herança da avó de seu marido. O ar expelido
pelo sentimento de ambos que materializava toda bagunça daquela casa de
arquitetura duvidosa.
Um dia aquilo tudo teria de mudar. E
Amélia parecia esperar que toda mudança acontecesse enquanto lavava as roupas
usando o amaciante mais caro pra que tudo tivesse cheirinho de flores. Decidiu arranjar um emprego.
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